Adolescente herdou da mãe o transtorno disfórico pré-menstrual, que faz com que seu humor se altere drasticamente e que sofra com depressão e rompantes de raiva por causa dos hormônios.
Elizabeth* teve de lidar com pensamentos suicidas desde o dia de sua primeira menstruação. O alívio, conta, chegou apenas aos 42 anos, quando se submeteu a uma histerectomia (cirurgia de retirada do útero). Ela e sua filha Grace*, de 15 anos, sofrem da mesma forma grave de síndrome de tensão pré-menstrual (TPM) – e querem que a adolescente passe, já agora, pelo mesmo tratamento drástico para se livrar a menina desse pesadelo hormonal.
Grace afirma ter resolvido que não terá filhos, e está ressentida pelo fato de sua mãe não ter feito o mesmo.
“Minha mãe me deu algo com o que tenho que lidar nos próximos 40 anos”, diz a adolescente. Ela quer ser a terceira geração da família a fazer uma histerectomia. Mas não aos 30 ou 40 anos, como a mãe e a avó fizeram, e sim agora, aos 15.
A síndrome alimenta explosões de ansiedade, raiva, psicose e dores físicas debilitantes. A ansiedade de Grace piorou desde que começou a menstruar, e ela muitas vezes se sente “triste, com raiva e exausta”.
A escola é uma luta. A jovem está tentando continuar a ir, mas não vê a hora de terminar.
“Lá eu não consigo me concentrar nos estudos e, quando estou com raiva, sinto que ninguém me entende. Ninguém mais parece estar passando por isso. Me sinto isolada”, diz.
Ela fica desesperada para que sua menstruação chegue logo, mesmo que ela tenha pânico disso.
“É um pouco como colocar um alfinete em um balão – eu preciso explodir”, explica. “Mas quando eu estou nesse período, mal consigo funcionar.”
Os períodos menstruais de Grace podem durar a maior parte do mês e são tão intensos que ela não consegue ficar uma aula inteira sem precisar trocar o absorvente.
“Eu ficava encharcada através de até oito camadas de roupa e, 20 minutos depois, tudo acontecia de novo”, conta.
Dias de fúria
Mas pior do que o sangramento é o profundo sentimento de vergonha e humilhação que se instala depois que ela perde o controle e tem uma violenta explosão.
“Eu me sinto decepcionada comigo mesma, choro de tão envergonhada, quase traumatizada”, descreve.
A solução de seu médico foi encorajar Grace a tomar a pílula anticoncepcional quando ela ainda tinha 13 anos. Mas ao tomar o medicamento, que contém uma alta dose de progesterona sintética, ficou violenta da noite para o dia.
“Isso tornou a vida realmente horrível para todos”, diz Grace.
Quando seu irmão – então com 5 anos – a viu gritando e batendo na mãe, se escondeu na despensa.
“Espero que ele não se lembre daquele dia”, diz Elizabeth. “Grace estava assustadora, muito assustadora.”
A mãe lembra o que aconteceu. A família estava almoçando quando alguém pediu que a adolescente mudasse de lugar. “Aquilo a tirou de órbita, e sem nenhuma razão”, diz. Sua fúria escalou, e a jovem acabou destruindo o banheiro.
Essa não era a filha que Elizabeth conhecia – ela descreve Grace como sendo uma garota muito doce.
A pílula estava enchendo o corpo de Grace de progesterona – Elizabeth diz que ambas são hipersensíveis a isso, mas nunca ocorreu ao médico examinar os efeitos adversos de certos hormônios em profundidade.
Grace foi encaminhada a um psiquiatra, que a medicou com antipsicóticos. A intenção era controlar sua raiva e “fazer a família atravessar o período do Natal”, lembra Elizabeth.
Mas as coisas ficaram tão ruins que, dois dias após o Natal, a mãe se encontrou com o psiquiatra para conversar sobre colocar sua filha em uma clínica.
“Não porque ela não fosse amada e cuidada, mas para manter todos seguros”, explica.
No entanto, Elizabeth sempre sentiu que os problemas de sua filha estavam ligados ao seu ciclo menstrual. E quando ouviu, por acaso, uma conversa no rádio sobre trasntorno disfórico pré-menstrual (PMDD, na sigla em inglês), percebeu que todos os sintomas de Grace se encaixavam nessa sídrome.
A mãe de Grace conseguiu com que a filha se consultasse com um médico especializado em tratamentos hormonais para o transtorno disfórico pré-menstrual.
Grace está agora em terapia de reposição hormonal (TRH) bioidêntica, que é considerada uma terapia hormonal mais natural porque – como o nome sugere – utiliza hormônios que são quimicamente idênticos aos do corpo humano.
Esse tratamento parece estar ajudando, e Grace acredita que, se sua mãe não o tivesse descoberto, ela teria de sair de casa.
“Quando você fecha a porta, (sua casa) deveria ser o seu refúgio. Mas quando esse porto seguro se torna uma armadilha por causa da PMDD, é horrível”, diz Elizabeth.
O que é o transtorno disfórico pré-menstrual?
- TPM grave/TDPM afeta de 5% a 10% das mulheres menstruadas e é frequentemente desencadeada por flutuações nos níveis hormonais
- Algumas pessoas têm uma vulnerabilidade genética a essas mudanças – pesquisas mostram que muitas vezes há um histórico familiar
- Embora os sintomas físicos sejam comuns, são os emocionais, como depressão, irritabilidade e agressividade, que levam aos maiores problemas
- TPM/TDPM pode afetar qualquer pessoa que menstrue, mas ocorre mais comumente durante a adolescência, quando os ciclos menstruais começam primeiro, e em quem tem mais de 35 anos
- A histerectomia geralmente é um último recurso para TPM/TDPM e não é realizada facilmente, mas pode ser uma cura eficaz – as pacientes devem receber reposição de hormônios para garantir que os problemas da TPM não sejam substituídos pelos da menopausa
Fonte: Nick Panay e Anna Fenton
Refém dos hormônios
Elizabeth é muito consciente do que uma vida com PMDD poderia significar para sua filha, pois passou por isso sozinha.
“Fui mantida como refém pelos meus hormônios desde os 14 anos”, diz.
Ela também tomou pílula quando adolescente, o que a ajudou com o sangramento, mas não com os sintomas psicológicos.
Desde sua primeira menstruação, Elizabeth experimentou pensamentos suicidas.
“Quando me dei conta, nos meus 20 e 30 anos, de que eu estava apenas na metade da minha vida, fiquei aterrorizada”, conta.
“E agora estou vendo minha filha seguindo o mesmo caminho que eu conheço tão bem.”
A luta hormonal de Elizabeth só foi remediada por uma histerectomia aos 42 anos, após ela sofrer de graves dores pélvicas no período que antecedeu a menopausa. Ela teve seus ovários removidos também, e está em tratamento de reposição hormonal.
“Há uma suposição de que você vai se sentir menos mulher porque não tem um útero – mas eu não poderia estar mais feliz em me livrar dele”, diz.
A mãe de Elizabeth enfrentou o mesmo problema, e fez uma histerectomia aos 35 anos.
Sem engravidar
Embora os adesivos de reposição hormonal bioidêntica tenham contribuído para diminuir os sintomas de Grace, eles ainda não são a solução perfeita.
“Eu acho que Grace vai continuar a pedir uma histerectomia até que ela a faça aos 20, 30 ou 40 anos”, diz a mãe.
As diretrizes do Royal College of Obstetricians and Gynecologists, associação britânica de ginecologistas e obstetras, sugerem que, ao tratar mulheres com TPM grave, a histerectomia mostrou-se benéfica.
Grace, porém, tem achado difícil que alguém levasse a sério seu pedido para a cirurgia. Segundo sua mãe, os médicos acham que ela mudará de ideia quando ficar mais velha.
Mas a jovem não vê dessa maneira: “Não quero ter filhos porque não quero que eles passem o que estou passando”, diz.
Elizabeth não culpa sua filha por ter raiva dela.
“Eu conscientemente condenaria alguém a viver com hormônios terríveis que fazem você se sentir deprimido e querer pôr um fim em tudo? Não, eu não faria isso.”
Mas isso significa que ela se arrepende de ter dado à luz a filha? Isso seria como desejar que Grace nunca tivesse nascido, a mãe responde, algo que nunca faria.
Não foi fácil para Elizabeth conseguir a autorização para fazer a histerectomia, e agora sua filha enfrenta a mesma batalha.
Outros membros da família são totalmente contra a ideia de Grace estirpar o útero, por ela ser muito jovem. Mas a mãe sabe como é não acreditarem nela, e sabe como a vida pode ser diferente com o tratamento eficaz.
Tudo isso, ela diz, faz com que tenha forças para lutar pela filha de uma forma que ninguém lutou por ela.
“Eu não minimizo o que ela sente”, ela diz. “Ignorar seus sentimentos sobre seus hormônios e o efeito que eles têm em sua vida é também ignorar o quanto isso é ruim para ela.”
Elizabeth está ciente de que o bom desempenho da filha nas provas que são essenciais para que consiga entrar na universidade vai depender da fase do ciclo menstrual em que ela estiver naquele momento,
A mãe acredita que sua própria vida teria sido diferente se seus hormônios tivessem sido levados em consideração mais cedo.
“Sinto calafrios quando lembro dos momentos de fúria que eu costumava ter”, conta ela. “Acabei desistindo de muitas coisas ao longo dos anos porque fiquei imobilizada pela depressão.”
Quando seus hormônios adquirem essa força, eles passam a ter um efeito dominó sobre sua vida e sua conquistas, ela explica.
Elizabeth se lembra de sempre ter tido de fingir um sorriso para esconder a dor que estava sentindo, e de se perguntar por que outras pessoas conseguiam seguir adiante, mas ela não.
“Costumava olhar para os meus colegas e pensar que eu estava sendo fraca, preguiçosa e sem ambição – e tudo isso contribuiu para minha baixa auto-estima”, reflete.
Hoje, ela adora ser mãe e dona de casa, mas antes sonhava em ser escritora. E acredita que, se tivesse sua histerectomia tivesse sido realizada mais cedo, poderia ter feito isso acontecer.
“Me entristece o fato de ter demorado tanto para que meus hormônios fossem levados em consideração, mas as coisas deram certo no fim”, diz.
Suas batalhas mensais também tiveram impacto nos relacionamentos. Hoje, está casada com seu segundo marido há dez anos. Ela descreve o jogador de rúgbi como “adorável e extremamente solidário – ele aprendeu a ficar mais na dele quando os hormônios da casa estão em fúria”.
Numa noite de sexta-feira, ele tentará dizer, mas com bastante jeito: “Ah, não está na hora de trocar seu adesivo hormonal, querida?”.
“Claro, eu grito com ele antes, e depois me sinto muito mais calma quando troco o adesivo”, relata Elizabeth.
Agora seu foco está em encontrar ajuda para Grace.
No momento, a jovem está tendo mais dias bons, embora só um pouco a mais, do que ruins. Antes, costumava ser o contrário.
“Isso é provavelmente o melhor que posso esperar até que eu possa fazer uma histerectomia – eu gostaria que alguém simplesmente me submetesse a uma histerectomia”, diz a adolescente. “Eu só quero saber o que é o ‘normal’.”
*Os nomes foram trocados para proteger a identidade de mãe e filha.
Fonte-G1