É possível um brasileiro morador da Rússia não saber quem é Neymar e desconhecer a data de abertura da Copa do Mundo a poucos dias da primeira partida? No maior país do mundo, a resposta é sim.
Neto de russos que nasceu em Maracaju, no Mato Grosso do Sul, Ulyan Reutov tem 44 anos, cresceu no Paraná, passou a maior parte da vida na Bolívia e vive há quatro anos em sua fazenda no país da Copa.
Nesse período na Russía, Ulyan diz não ter mais visto televisão e não falava português até encontrar com a reportagem. O espanhol e o russo são idiomas mais vivos na cabeça do brasileiro, cujo português é carregado de sotaque, mas se faz entender. Nem mesmo com uma pequena ajuda da reportagem, Ulyan soube dizer o nome do principal jogador da Seleção em busca do hexa.
Veja a conversa a seguir:
– Você sabe quem são os (jogadores) de hoje? – perguntamos.
– Não, nenhum – responde Ulyan.
– Tem um jogador que o nome dele começa com Ney…
– Que Ney? Ney não.
– Neymar. Nunca ouviu falar? Se você vir a cara do Neymar, não sabe quem é?
– Não. Como vou conhecer se nunca vi (risos)?
As últimas referências da Seleção vivas na cabeça de Ulyan são Bebeto, Romário e Dunga, figuras na conquista do tetra, em 1994.
A localização onde vive com a esposa e filhos, no entanto, ajuda a explicar o desconhecimento ao maior jogador da atual Seleção: Ulyan mora em uma fazenda perto do vilarejo de Roshino, na região de Primorie, cuja capital é Vladvostok, distante mais de 9 mil quilômetros de Moscou. A cidade sede da Copa mais próxima é Ecaterimburgo: 5 mil quilômetros.
Para chegar ao local são necessárias oito horas de avião (de Moscou a Vladvostok, em um fuso de sete horas de diferença dentro do mesmo país e de 13 horas para o Brasil) e mais cerca de 700km de carro, percorrendo estradas de todos os tipos: de pista dupla, pista simples, bem e mal conservadas, de terra, com e sem buracos.
Não há qualquer referência à Copa do Mundo na região mais inóspita do país, onde é possível esquecer de que se trata da mesma Rússia onde as 32 seleções vão buscar o título.
Velhos Crentes
Além de Ulyan há outros brasileiros de raízes russas morando nesta região. Eles estão unidos pela religião e fazem parte do grupo de Velhos Crentes, uma divisão da igreja ortodoxa perseguida ao longo da história. Os dissidentes discordavam da igreja no século 17 e se separaram.
Seus costumes são rigorosos e as mulheres usam roupas tradicionais, como a de Vivea Ovchinnikova, que morou até os 18 anos no Brasil.
Mas e se Brasil e Rússia se enfrentarem, para quem esses brasileiros de origem russa vão torcer?
– Vamos torcer para o Brasil. Nós estamos longe dos estádios e de onde vão jogar. Mas claro imagina: a Copa do Mundo aqui na Rússia é uma emoção muito boa, um sentimento muito bom –disse Vivea.
– Pra mim hoje é igual. Quem vencer terá sorte. Antes, eu era fanático pelo Brasil porque morava na Bolívia durante 30 anos. Sempre torcia pelo Brasil, porque na Bolívia não era cidadão boliviano. Não tinha documento boliviano. Agora, aqui na Rússia, tenho o documento e sou cidadão russo. Então, não sei. Vamos falar que empate – afirmou Ulyan.
A província de Primorie onde Ulyan e os Velhos Crentes moram fica perto da fronteira com a Coreia do Norte e a China.
O governo russo quer povoar a região mais inóspita do país pelo temor da expansão dos países vizinhos. Por isso tem incentivado qualquer cidadão a mudar para o local, cedendo um terreno gratuitamente com a contrapartida de que seja cultivado ou explorado economicamente.
Ulyan soube do programa de incentivo do governo e trocou a Bolívia pela Rússia, mas não recebeu toda a ajuda prometida. Ainda assim se estabeceleu na região com esforço próprio e hoje mora com a esposa e os filhos na fazenda de 850 hectares, onde eles trabalham juntos.
A Copa do Mundo, portanto, está longe de ser uma prioridade na vida do homem do campo.
– Se (o Brasil) chegar até a final a gente dá um jeito de assistir (risos).